Na manhã desta terça, 09/3, a Vogue estadunidense nos agraciou com uma entrevista com Selena Gomez, que foi escolhida como a capa de abril da aclamada revista. Acompanhada de uma linda sessão de fotos, a cantora falou sobre seu novo EP, “Revelacíon”, que será lançado nesta sexta, 12/3, além de falar sobre política, sua infância, pausa na carreira e outros projetos. Confira abaixo a entrevista completa traduzida, além das imagens tiradas pela fotógrafa Nadine Ijewere, que se tornou a primeira mulher negra a fotografar uma capa da Vogue:
Selena Gomez sobre política, fé e fazer a música de sua carreira.
É o início do ano e Selena Gomez já está escondida ao norte de Manhattan, em uma mansão Tudor que fica nas colinas curvas de uma vila pitoresca. O céu está embaçado até ficar branco; o rio Bronx perturba o silêncio pesado. Levemente hipnotizada, vou até a porta errada e sou saudada por um homem gentil de terno e máscara. “Selena?”, ele diz. “Selena está do outro lado da rua. Ela parece adorável. Boa sorte.”
Selena Gomez está, de fato, do outro lado da rua, em uma camisa enorme do Nirvana, de legging preta e um rabo de cavalo, esperando em um grande sofá branco, com seu cachorro caramelo enrolado em cima de uma manta verde peluda e com seus pés descalços. Atrás dela, uma lareira crepita obedientemente; uma única fileira de luzes de Natal de arco-íris pendurada nas janelas. O aspecto profundamente surreal dessa situação é intensificado pelo fato de que já se passaram nove meses desde que tive uma conversa interna com alguém de fora da minha casa – e de repente estou sozinho em um quarto com Selena Gomez, que alguns anos atrás estava mais popular no Instagram do que qualquer outra das sete bilhões e meio de pessoas no planeta; cujo “Lose You to Love Me” foi reproduzido quase duas vezes mais do que “Let It Be” no Spotify; cujo carisma está enraizado em uma espécie de cotidiano caloroso, mas que é tão francamente bonito que sinto que fui transplantado para um filme sobre uma boneca que ganhou vida.
Depois de me cumprimentar – ela fala em um registro surpreendentemente baixo e lacônico, o oposto do suspiro merengue de sua voz cantando – Gomez puxa uma máscara de pano sobre o rosto. Ela está em Nova York para terminar de filmar sua nova série da Hulu, “Only Murders in the Building”, uma comédia em que ela, Steve Martin e Martin Short interpretam vizinhos tentando solucionar um crime no Upper West Side. Ela voou de volta para Los Angeles nas férias, para sua casa, onde está enfrentando a pandemia com duas amigas que moram com ela e seus avós maternos, que vieram visitá-la um pouco antes do bloqueio e acabaram se mudando. O ano de 2021 começou – até agora – sem intercorrências, concordamos. “Mal chegamos à contagem regressiva”, diz Gomez.
Desta vez, no ano passado, Gomez estava há dias de lançar Rare – tecnicamente seu sexto álbum, mas seu terceiro solo, após Revival de 2015, que cimentou a transição de Gomez de um produto de estúdio para uma artista com um ponto de vista. Ela estava se preparando para lançar ‘Rare Beauty’, sua linha de maquiagem, que promove a mensagem do álbum e também da plataforma de público geral de Gomez: que todos são especiais e dignos de amor como são.
Mas então a pandemia atingiu. Gomez passou algumas semanas em pânico e depois começou a trabalhar. Ela começou a gravar um EP em espanhol, há muito prometido, ‘Revelación’. Ela filmou um programa de culinária em quarentena para a HBO Max, chamado ‘Selena + Chef’, em que cada episódio apresenta um famoso chef ensinando Gomez a cozinhar uma refeição deslumbrante por meio de videoconferência. (O truque do show é o amadorismo de Gomez, mas ela está habilmente decapitando um polvo cru no episódio dois.) “Eu me tornei boa em frango assado”, ela me diz. “Eu sei fazer uma omelete francesa agora, e molé”. Ela fez o possível para preencher os períodos repentinos de tempo isolada. Ela passeava com os cachorros, com as amigas, sentava-se para comer a caçarola de milho da vovó, fazia ioga e tocava “Knockin ‘on Heaven’s Door” em seu violão. Todos os dias, ela fazia questão de colocar uma calça de moletom diferente. Quando o marasmo da tarde tomou conta dela – ela disse impacientes: “O que vou fazer? Tipo, agora, o que eu vou fazer? ”- ela às vezes desistia e maratonava “Bridgerton” ou “The Undoing” ou assistia as duas séries seguidas. “Eu não posso funcionar a menos que esteja trabalhando”, ela me diz. “Para mim, o ponto principal da quarentena era apenas parar, e é difícil para mim fazer isso. E meu foco principal era realmente política, e garantir que eu levasse isso a sério.”
Gomez, aos 28 anos, está passando por um despertar político. Foi atrasado, talvez, por causa da pressão de não alienar seu público. (Uma tarefa impossível quando você tem mais seguidores no Instagram do que quase todos os países do mundo têm pessoas: quando Gomez postou em protesto contra a proibição do aborto que foi debatida no sul em 2019, sua seção de comentários foi inundada com comentários de ódio e também com amor). Além disso, Gomez está fora da Internet há três anos – ela envia fotos e mensagens de texto para sua assistente postar no Instagram e no Twitter. (“Todo mundo sempre me pergunta: ‘Você está secretamente conectada; você está mentindo?’ E eu fico tipo, ‘Não tenho razão para mentir.’”). Ela disse que recebe as notícias de “uma mulher mais velha da qual ela é próxima” – alguém cuja identidade ela prefere manter sigilo. “Eu assisto à CNN, mas tento não fazer muito, porque sou empática a ponto de chorar por qualquer coisa. Eu chorei muito durante a quarentena, apenas pela dor de todos os outros.”. Mas ela ficou chocada com as notícias durante a administração Trump. Ela foi compelida a agir pelo sofrimento generalizado da pandemia, pelo fato de “tantas mortes que poderiam ter sido evitadas”. Então vieram os protestos do Black Lives Matter. “Eu pensei: quem sou eu para falar?” ela diz. “Vou postar uma foto e dizer: ”Isso é importante?’ Não, eu preciso aprender; Eu preciso descobrir a dor das pessoas”. Ela entregou sua conta no Instagram para grandes influenciadores do movimento, incluindo Kimberlé Crenshaw, a acadêmica jurídica que originou o termo interseccionalidade, e Alicia Garza, uma das fundadoras do Black Lives Matter. Conforme a eleição se aproximava, Gomez entrou em modo de campanha, entrevistando Stacey Abrams para a organização digital “She Se Puede” e lançando PSA após PSA direcionado”. “Meu primeiro envolvimento com Selena foi revelador: ela expressou um desapego honesto com a política tradicional, ao mesmo tempo que mostrava uma fome de resolver problemas reais e dolorosos”, diz Abrams. “Nisso, ela incorporou o eleitor mais poderoso – aquele que vem à participação porque sabe que o melhor é possível e que é seu direito.”
Foi especialmente notável dado ao fato de que Gomez nunca tinha votado antes de 2020. Será que ela presumiu que seu voto não importava? “Eu simplesmente não tinha ideia”, diz ela, parecendo triste e desprotegida. “Ou eu não me importava ou simplesmente não estava reconhecendo a importância de quem está governando nosso país, e isso é realmente assustador de se pensar.” Em uma conversa com a candidata a vice-presidente, Kamala Harris, ela explicou que não havia sido educada anteriormente sobre a importância do voto. (Ela me disse que não hesitou em compartilhar isso com o público, porque sabia que havia “um milhão de pessoas da minha idade” que estavam no mesmo barco.) Durante a semana das eleições, ela estava tensa e apavorada; ela ficou acordada até tarde assistindo ao noticiário, esperando que novos lotes de votos fossem contados. Embora Gomez ainda esteja receosa de causar uma divisão – em um ponto de nossa conversa, ela tenta pensar em uma maneira de descrever a administração Trump e cai em “muito difícil de gostar” – ela me diz que está entusiasmada com os resultado da eleição. Vídeos têm circulado, na fã base dos selenators , de Gomez em Nova York, no dia em que foi anunciado a eleição de Joe Biden, dizendo que nenhum humano é ilegal; em outro vídeo, ela está no banco de trás de um carro, sorrindo delirantemente, cantando “Party in the U.S.A.” de Miley Cyrus.
Gomez nasceu em Grand Prairie, Texas, uma cidade de médio porte fora de Dallas que já teve um time de beisebol profissional chamado Airhogs. É o tipo de lugar onde os principais empregadores incluem Lockheed Martin e Walmart. Seus pais tinham 16 anos quando ela nasceu, em 1992. Gomez cresceu em um bairro que era principalmente mexicano-americano, como a família de seu pai. (Sua mãe, Mandy Teefey, que administrou a carreira de Gomez até 2014, se identifica como branca.) Ela foi nomeada em homenagem a Selena Quintanilla, cuja música seus pais adoravam. Sua mãe a deixava brincar no quintal durante as tempestades; seu pai gostava de assistir “Friday and Bad Boys” com sua menina angelical. “Sempre cheirava a grama recém-cortada”, lembra Gomez de sua infância no Texas. “Nós brincávamos ao ar livre por horas, enquanto minha vovó e suas amigas estariam sentadas com seu chá gelado. Não era muito, mas era ótimo. ”
Quando criança, Gomez era sensível, mas destemida: uma foto dela consolando outra criança no primeiro dia da pré-escola saiu no jornal local. (“Aparentemente, eu apenas disse ‘Paz!’ Para minha mãe e entrei”, ela me conta). Ela fazia shows na sala de estar e adorava se preparar para competir naquele ritual sulista específico – o concurso de beleza. Os pais de Gomez se separaram quando ela tinha cinco anos e Teefey reuniu todos os seus recursos para sustentar sua filha, trabalhando simultaneamente em um Starbucks, um Dave & Buster’s e uma agência de modelos. Ela habilmente protegeu Gomez das dificuldades financeiras sempre presentes. “Lembro-me de sempre ser lembrada de que as pessoas tinham menos do que nós”, diz Gomez. “E não tínhamos muito. Mas eu sentia que sim, porque minha mãe estava sempre fazendo cem milhões de coisas apenas para me deixar feliz. Nós nos voluntariávamos em refeitórios do Dia de Ação de Graças.”
Quando ela tinha 10 anos, ela foi escalada, ao lado de Demi Lovato, para “Barney & Amigos”, que foi convenientemente filmado em outro subúrbio de Dallas. O trabalho não parecia um trabalho: “Você está no set com um grande dinossauro roxo, dançando e se divertindo”, diz ela, rindo. Três anos depois de terminar sua temporada no programa, ela garantiu o papel de Alex Russo no programa do Disney Channel, “Os Feiticeiros de Waverly Place” e se mudou para Los Angeles com sua mãe. O sonho de Gomez se tornou uma obrigação e um encantamento, inerente a qualquer jovem intérprete, tornou-se consagrado como um mandato. Trabalhar para a Disney transformou a vida de Gomez em uma promoção perpétua, com sua imagem rapidamente distribuída pela TV, música, filmes, mercadorias, aparições ao vivo e promoção cruzada de todos os itens acima. “De certa forma, esse era o meu trabalho – ser perfeita”, diz ela. “Você é considerada uma figura que as crianças admiram, e eles levam isso a sério.” O personagem de Gomez era astuto e sarcástico, preguiçoso tanto sobre a escola quanto sobre a magia – esse era o conceito, a propósito: uma família de bruxos administrando uma lanchonete em West Village. Mas Alexandra Margarita Russo ainda irradiava a qualidade essencial de uma garota Disney: inconsciente, ela era uma precocidade cheia de confiança e coragem.
Tornou-se parte do trabalho de Gomez manter essa aura mesmo quando, simultaneamente, a mídia tablóide começou a tratá-la como um objeto de interesse. Ela tinha 15 anos quando os paparazzi começaram a aparecer no set. Seus irmãos na tela, David Henrie e Jake Austin, se sentiam protetores com ela. “Todos nós éramos novos nisso e eles queriam dizer coisas aos paparazzi, mas você não pode, porque é exatamente o que os paparazzi querem”, diz Gomez. “Lembro-me de ir à praia com alguns parentes que estavam me visitando, e vimos, de longe, homens adultos com câmeras – tirando fotos de uma garota de 15 anos em seu maiô. Esse é um sentimento de violação ”.
Pergunto a Gomez se ela estava ciente de como essa situação era invasiva no momento em que estava acontecendo, ou se ela ignorou isso no momento. “Acho que passei tantos anos tentando dizer a coisa certa às pessoas para me manter sã”, diz ela. Por força de sua personalidade, bem como pelo fato de ser uma jovem mulher sob os holofotes, ela tinha que ser incondicionalmente grata, serena e brilhante. “Eu sou uma pessoa que tenta agradar as pessoas”, acrescenta ela.
“Parece quase impossível não ser, como artista”, eu digo, “a menos que você seja como –––” Simultaneamente, eu digo, “Daniel Day-Lewis” e Gomez diz: “Um homem? Sim.”
Gomez está com jet lag. Ela acordou às 4 da manhã e não conseguia voltar a dormir. A sala está quente, a tarde está ficando opaca, e a superestrela na minha frente está emitindo uma qualidade macia e machucada. Eu me encontro, como muitos fãs e observadores casuais de Gomez se encontraram, querendo protegê-la, fazê-la feliz, animá-la. Gomez está tão empenhada em preservar o senso de normalidade que engole, na maioria dos momentos, os estranhos efeitos colaterais de ter ficado diante das câmeras por dois terços de sua vida. É um estilo de vida que expõe e isola: Gomez parece profundamente sintonizado com a crueldade em todas as suas formas, emocionais e políticas, e também atordoado por ela o tempo todo. O que é mais incomum sobre ela – o que a distingue de outras celebridades em seu escalão – é a maneira como ela ficou mais suave, em vez de dura, à medida que envelheceu. A confiança veio primeiro; então veio a confiança para deixar tudo ir.
No meio, porém, houve uma quantidade não desprezível de caos. Aos 18 anos, quando ainda estava filmando “Os Feiticeiros”, Gomez entrou em um relacionamento sério com um galã adolescente, um enredo cujos altos e baixos eram dissecados constante e vorazmente até o fim em 2018. Ela também estava lançando música – três álbuns antes dos 20 anos – com a banda pop-rock Selena Gomez & the Scene. No início de 2014, no meio de uma turnê internacional de seu primeiro álbum solo, Stars Dance, Gomez se internou em uma clínica de reabilitação. Ela estava exausta e deprimida, ela me disse. Ela percebeu que não conseguia entender o problema ou resolvê-lo sem ajuda.
Gomez também havia sido diagnosticado com lúpus, um distúrbio autoimune crônico que, no caso dela, era grave o suficiente para exigir quimioterapia e mandá-la para a UTI por duas semanas. Eventualmente, ela precisou de um transplante de rim, o que causou a ruptura de uma de suas artérias; seguida, uma cirurgia de emergência de seis horas. Gomez acordou com duas cicatrizes significativas – uma no abdômen e outra na coxa, onde o cirurgião retirou uma veia – e a notícia chocante de que ela estivera, por algum tempo, bem perto da morte.
Ao longo de tudo isso, Gomez continuou a trabalhar: atuando em filmes, rotineiramente, alcançando platina com sua música, produzindo projetos como o polêmico hit da Netflix, “13 Reasons Why”. Mas ela também se retirou para centros de tratamento para mais duas estadias prolongadas, em 2016 e 2018. “Eu sabia que não poderia continuar a menos que aprendesse a ouvir meu corpo e mente quando realmente precisava de ajuda”, diz ela. Ela ainda tem dificuldade com a ansiedade da madrugada: o tipo em que você se esquece de como dormir e começa a pensar no que quer, no que precisa fazer para chegar lá. “E então eu começo a pensar sobre minha vida pessoal e penso,‘ O que estou fazendo da minha vida? ’E isso se torna uma espiral.” Ela se tornou uma defensora ferrenha da terapia comportamental dialética e se sente orgulhosa quando os Selenators, como seus fãs se chamam, falam abertamente sobre como encontrar ajuda para as lutas de saúde mental. Ela viu seu diagnóstico recente de transtorno bipolar como um passo importante para administrar sua vida de forma mais sólida. “Depois que as informações estavam lá, era menos assustador”, diz ela.
Gomez mantém a estabilidade em parte evitando as mídias sociais. “Acordei uma manhã e olhei para o Instagram, como qualquer outra pessoa, e estava pronta”, ela me conta. “Eu estava cansado de ler coisas horríveis. Eu estava cansado de ver a vida de outras pessoas. Depois dessa decisão, foi a liberdade instantânea. Minha vida diante de mim era minha vida, e eu estava presente, e não poderia estar mais feliz com isso”. E no dia dos namorados de 2019, ela escreveu a balada simples e graciosa “Lose You to Love Me”, com seus colaboradores favoritos, os compositores Justin Tranter e Julia Michaels. A música atingiu o número um; mulheres se aproximaram de Gomez e lhe disseram que isso as ajudaria a superar o divórcio. Como você, provavelmente, já ouvi “Lose You to Love Me” milhares de vezes, e ainda prendo um pouco a respiração com a ternura da melodia, com a maneira como Gomez conta uma história de culpabilidade mútua e fraqueza com uma espécie de graça que lhe dá a palavra final. “Assim que parei, aceitei minha vulnerabilidade e decidi compartilhar minha história com as pessoas – foi quando me senti liberada”, diz ela.
Um dos efeitos colaterais de ter se tornado tão famosa tão cedo é a preocupação de que as pessoas principalmente a conheçam por ter se tornado tão famosa tão cedo. “Eu ainda vivo com a sensação assustadora de que as pessoas ainda me veem como essa garota da Disney”, Gomez me diz. É em parte uma questão de seu rosto, que permanece teimosamente jovem: mesmo quando ela está explodindo, você ainda pode imaginar suas bochechas rodeadas por flores e corações de desenho animado. Além disso, sugiro que a condição essencial de Selena Gomez, é a maneira como ela transmite sua individualidade tão pronta e simplesmente como uma lâmpada que emite luz e que estava lá desde o início. Uma pessoa não pode reescrever a natureza fundamental de seu charme.
Por telefone, Steve Martin, seu co-ator em “Only Murders in the Building”, me diz: “Você recebe uma lista de nomes, sabe, e pensa: Claro, eles seriam bons e então eles dizem, ‘E quanto a Selena Gomez?’ e é apenas – ‘sim, é claro’. Não havia nenhuma pergunta, exceto ‘Podemos pagá-la?’. Nós sabíamos que ela iria melhorar o show de muitas maneiras, sendo um talento número um ”. Martin nunca tinha visto Gomez no Disney Channel. “Sua atuação é rica e adulta”, diz ele. “Ela aprendeu a minimizar quando necessário. Marty e eu somos muito maníacos, e ela é uma base de rocha sólida. Ela é agradável, intensamente discreta.” Quando Gomez está no set, Martin diz, que não há noção de seu estrelato. “Ela está apenas trabalhando. E Marty e eu brincamos constantemente, e não tínhamos certeza se ela aceitaria isso. Mas agora pensamos em nós mesmos como os Três Mosqueteiros.”
Por enquanto, porém, Gomez continua mais conhecida como cantora do que como atriz. Em parte, isso ocorre porque sua música é autobiográfica: é uma avenida para Gomez se revelar em seus próprios termos e condições. (Em “Look at Her Now”, uma faixa de ‘Rare’, Gomez canta sobre perder a confiança em um amante que “teve outro”, acrescentando: “É claro que ela estava triste, mas agora ela está feliz por ter se esquivado de uma bala.”). Atuando, inversamente, requer que sua fama pessoal seja sublimada e transformada. O maravilhoso EP em espanhol, permite que Gomez faça as duas coisas ao mesmo tempo. Em “De Una Vez” e “Baila Conmigo”, as duas primeiras canções a serem lançadas do ‘Revelación’, ela ilumina como uma versão alternativa de si mesma, trabalhando na tonalidade do melodrama do pôr-do-sol, cantando canções que deveriam ser tocadas em tardes nebulosas , em rádios antigos em quartos onde cortinas de renda balançam com a brisa. “É um momento Sasha Fierce, com certeza”, diz ela.
“Revelación” foi produzida por Tainy, um dos mentores do reggaeton por trás do álbum de estreia de Bad Bunny e do smash hit “I Like It” de Cardi B. Ele foi inspirado, Tainy me disse, pela prontidão de Gomez para trabalhar em outro idioma. “É uma tarefa enorme. Não é fácil; é preciso coragem. E ela parece incrível”. “Revelación” funde os padrões de percussão e a pulsação instintiva da música latina com cordas e piano, tudo sob as melodias diretas que se tornaram a assinatura de Gomez. “Ela tem um tom tão distinto”, diz Tainy. “Ela pode atingir notas altas se quiser, ela pode explodir em um refrão, mas há essa suavidade. É angelical. Você quer deixar espaço em torno de seu vocal. O que vou dizer é que muitos artistas geram emoção por meio do poder – o que é diferente sobre Selena é que ela gera emoção por meio da sutileza.”
“O projeto é realmente uma homenagem à minha herança”, diz Gomez. Graças aos avós paternos, que ela ainda – pré-pandêmica, pelo menos – visita no Texas com frequência, ela era fluente em espanhol quando criança, mas perdeu o idioma depois que começou a ir para a escola. (Antes de cada sessão de gravação para o “Revelación”, ela fez uma hora com um treinador espanhol e uma hora com um treinador vocal. “É mais fácil para mim cantar em espanhol do que falar”, diz ela.). Gomez – muitas vezes, de forma implicita, junto com seus colegas da Disney, Lovato e Vanessa Hudgens, como parte de uma vanguarda de jovens estrelas “pós-raciais” da era Obama – tem investigado mais conscientemente a questão do que significa para ela ser mexicana-americana. “Grande parte da minha base de fãs é latina, e eu tenho dito a eles que esse álbum iria acontecer por anos. Mas o fato de estar saindo durante esse período específico é muito legal ”, diz ela.
Gomez falou recentemente sobre o fato de que seus avós paternos não tinham visto nos Estados Unidos. “Não foi por nenhum motivo que eu não o compartilhei antes”, diz ela. “É que quando comecei a ver o mundo como ele é, todas essas coisas começaram a ser como lâmpadas se apagando.” Seus avós vieram para o Texas em uma “situação de back-of-the-truck”, Gomez me disse, “e levaram 17 anos para obter a cidadania. Eu me lembro disso ser um grande negócio. Meu avô estava trabalhando na construção, contratando centenas de pessoas, e ainda estavam vivendo no limite, encobrindo o quão assustador era. ” Gomez se lembra de ser uma adolescente, em um show de Shania Twain em Vegas com seu pai, quando um estranho gritou palavras ofensivas para seu pai. “Comecei a chorar”, diz ela. “Mas meu pai me agarrou e foi embora. Eu chorei ainda mais. Eu pensei, odeio que meu pai se sinta tão esgotado por isso.”. Nos últimos anos, Gomez começou a aprender mais sobre o sistema de imigração, conversando com amigos que tiveram experiência direta com essa questões burocráticas. Em 2019, ela atuou como produtora-executiva da série “Living Undocumented” da Netflix. “Meu objetivo era comunicar que essas pessoas não são‘ alienígenas ’; eles não são quaisquer nomes que outras pessoas lhes deram. Eles são humanos – são pessoas ”, diz ela. A autora, Karla Cornejo Villavicencio, que escreveu o livro deslumbrante e desafiador de 2020 “The Undocumented Americans” sobre esse assunto, me disse: “Meu pai era um entregador sem documentos em Wall Street e ele trabalhava para as famílias mais extravagantes de Nova York, e homens muito importantes o enviaram para o elevador de carga com o lixo porque eles não achavam que ele era humano.”. Ela enviou seu livro para Gomez porque sentia uma afinidade – “outra jovem latina que se fez sozinha, inteligente, bonita, bem-sucedida e gentil, que lutou, se reinventou e metabolizou seu sofrimento em sua arte” – e sentiu que Gomez entendia o pecado elementar desta desumanização. Quando Gomez defendeu o livro, dando seu endosso e falando sobre ele em entrevistas e no Instagram, foi “um momento especial para milhares de jovens latinos, muitos deles sem documentos e queer. Eles sentiram como se ela estivesse protegendo-os. Eu senti como se ela estivesse nos protegendo também.”. Cornejo Villavicencio diz que alguns de seus leitores mais leais agora são Selenators. “E eu os amo ferozmente.”
Gomez, sugere que Cornejo Villavicencio, é uma figura como a Princesa Diana: alguém que “entrou numa instituição quebrada muito jovem, com o coração totalmente aberto”. (Em uma entrevista no ano passado, Gomez mencionou a Princesa Diana como um modelo, citando a famosa citação da realeza sobre querer ser a “rainha dos corações das pessoas”.) Cornejo Villavicencio me lembra do “Fundo Rare Beauty Rare Impact” de Gomez, que prometeu arrecadar $ 100 milhões para serviços de saúde mental, visando especificamente as comunidades que carecem de tal infraestrutura. “Ela é uma superestrela global que escuta, aprende, cresce, não precisa fazer, mas quer”, diz Cornejo Villavicencio. “Ela é meio incomparável nesse aspecto.”
Vários dias depois, em outra tarde gelada, Gomez e eu nos encontramos novamente em seu esconderijo na aldeia. Quando eu entro pela porta, um episódio de Friends – aquele com o casamento de Barry e Mindy – é pausado na TV. Ela assistiu a série muitas e muitas vezes. (“Quintas às oito, sete Central, no canal 33”, ela recita automaticamente quando eu pergunto se ela assistiu enquanto crescia). Ela e sua assistente tentaram fazer um quebra-cabeça de “Friends” para passar o tempo, mas desistiram, apenas pregando um pôster do elenco bebendo milkshakes na parede da sala. “Parece o quarto de uma criança”, ela diz, rindo. Concordamos que os personagens sempre parecerão mais velhos do que nós, embora tenham cerca de 20 anos quando a série começa.
Gomez está vestindo um moletom creme, calça de moletom e botas Uggs felpudas; ela está bebendo um chai latte da Starbucks. “Esta semana foi intensa”, eu digo. Dois dias antes, a mando do presidente Trump, uma multidão armada de direita havia invadido o Capitólio, alimentada por teorias de conspiração online sobre uma eleição roubada.
Nos últimos anos, Gomez tem criticado as empresas de mídia social pela forma como suas plataformas intensificam o desespero e a agressão; mais recentemente, ela castigou o Facebook por permitir a disseminação de informações incorretas sobre o COVID-19. “Ela vem para este trabalho pronta para aprender e ansiosa para usar sua plataforma para desinformar a desinformação”, diz Abrams, a quem Gomez apoiou em sua luta por um censo de 2020 preciso. “Selena entrou em contato por meio de seu gerente no outono passado, querendo entender por que exatamente as coisas estavam dando tão errado e que coisas específicas ela poderia fazer para melhorar as coisas”, disse Imran Ahmed, CEO do Center for Countering Digital Hate. Em setembro, com a orientação do CCDH, Gomez escreveu um e-mail para Sheryl Sandberg, apontando anúncios do Facebook contendo mentiras sobre fraudes eleitorais e grupos do Facebook que estavam se preparando abertamente para a guerra civil. Na noite do tumulto, Gomez tuitou: “Hoje é o resultado de permitir que pessoas com ódio em seus corações usem plataformas que deveriam ser usadas para unir as pessoas e permitir que elas construam uma comunidade”. Sandberg, Mark Zuckerberg, Jack Dorsey, Sundar Pichai e Susan Wojcicki, escreveu ela, “falharam com o povo americano”.
“Assim que vi a maneira como ela se comunica”, diz Ahmed, “entendi por que sua marca é tão, tão poderosa. Existe apenas essa bondade para ela. Ela é muito moral. E ela dá a essas questões um amplo apelo além de qualquer partido político individual. Como você pode ver, ela não é uma pessoa político-partidária. Ela é alguém que realmente acredita nas pessoas”. Gomez chorou, ela me disse, quando viu as fotos da rebelião no Capitólio. “Parecia que alguém estava mijando em toda a nossa história. É apenas anarquia. Houve uma divisão completa ”, diz ela tristemente.
Gomez valoriza o que devemos uns aos outros: respeito, decência, gentileza. Em alguns contextos, isso a torna ousada e, em outros, cautelosa. Em um ponto, ela falou comigo sobre sua frustração em sentir que seu trabalho ainda não havia transcendido sua personalidade. “É difícil continuar fazendo música quando as pessoas não levam você necessariamente a sério”, disse ela. “Tive momentos em que fiquei tipo, ‘Qual é o ponto? Por que continuo fazendo isso? ‘Lose You to Love Me ‘, eu senti que foi a melhor música que já lancei, e para algumas pessoas ainda não era o suficiente. Acho que há muitas pessoas que gostam da minha música, e por isso sou muito grata por continuar, mas acho que da próxima vez que fizer um álbum, será diferente. Quero tentar uma última vez antes de aposentar a música.” Quando pergunto a ela sobre isso novamente, ela estremece e diz: “Preciso ter cuidado”. Ela esclarece que quer passar mais tempo produzindo e “dar uma chance real da atuação”.
Digo a ela que estive imaginando como seria ter 18 anos e pegar um resfriado e ter que cancelar apresentações e temer que você esteja decepcionando milhares e milhares de pessoas que amam você – e que aquele senso de responsabilidade apenas aumenta. No meio da pandemia de verão, ela postou um vídeo em seu Instagram explicando por que ela havia ficado em silêncio por um tempo. Ela disse que era insensível postar qualquer coisa que parecesse alegre ou comemorativa. “Eu me sinto muito culpado por minha posição”, diz Gomez. “Sinto que as pessoas estão sofrendo e me sinto responsável com minha plataforma para fazer algo a respeito. Compartilhar isso também é difícil para mim. Para animá-los. Eu sei que isso não foi apenas dado a mim, eu sei que trabalhei muito para chegar aqui. Eu sei que tudo isso é o meu propósito. Mas, por causa da maneira como fui criado, não posso deixar de pensar, gostaria de poder dar às pessoas o que tenho.”
Que obra-prima de elenco foi, Selena Gomez em Spring Breakers em 2013. Sua presença – sua prudência, sua doçura, sua tristeza – é a âncora do filme, que levanta depois de 45 minutos e deixa tudo à deriva. Ela narra os bacanais de néon de Harmony Korine em, murmurando, contra imagens de seios nus e bongos de cerveja e paisagens de praia ensolaradas vulgarmente: “Este é o lugar mais espiritual que eu já estive”. Faith, sua personagem, usa uma cruz de lado em volta do pescoço; ela tem uma dignidade e uma consciência inatas. Ela mergulha em um mar de loucura, em busca de epifania, e então, quando a grande escuridão da América do século 21 começa a se revelar, ela abraça seus amigos e se retira.
Gomez, se aproximando do final da terceira hora da 10.000ª entrevista que ela deu nos 28 anos de sua vida, traz o livro do pastor Rick Warren, “The Purpose-Driven Life” escada abaixo, junto com um diário espiralado com flores do deserto na capa com a frase “Você está aqui. Agora tudo é possível”. Gomez leu o livro de Warren três vezes. “Eu sou muito, muito espiritual”, diz ela. “Eu acredito em Deus, mas não sou religiosa. Já sou cristão há algum tempo. Eu não falo muito sobre isso – eu quero, mas tenho uma má reputação. Só quero deixar claro que adoro ser capaz de ter minha fé e acreditar naquilo em que acredito, e é isso que realmente me ajuda”. Eu pergunto a ela quando em sua vida ela se sentiu mais próxima de Deus. Quando ela ficou doente, ela me contou. “Você não precisa necessariamente acreditar para saber que há algo acima de você que é maior do que você. Você está jogando suas mãos para cima, dizendo, ‘Na verdade, não tenho ideia do que vem a seguir.’
Gomez acredita – ela tem que acreditar – que acabou aqui por um motivo: qualquer que seja o brilho irredutível que traga as pessoas até ela, qualquer atração metafísica que a tenha levado do anonimato em uma sala de estar em Grand Prairie ao estado sem lugar de ser irrevogavelmente famosa e irreversivelmente sabido, é tudo parte de um design maior que ela não consegue perceber e nem precisa. Ela só pode tentar cumprir esse plano com o coração aberto. E mesmo com tudo isso, ela sabe, ela mal começou. “Ainda não toquei na superfície do que quero fazer”, diz ela. “As peças que eu quero são aquelas nas quais preciso de ajuda. Mal posso esperar pelo momento em que um diretor verá que sou capaz de fazer algo que ninguém nunca viu. ”
Uma ternura melancólica envolve as memórias de Gomez da última vez em sua vida em que seu próprio potencial parecia descomplicado. Foi quando ela estava filmando “Os feiticeiros” pela primeira vez, quando ela e sua mãe chegaram ao set pela manhã, e sua família de TV também estaria lá, e todos se sentariam e tomariam café e discutiriam as falas. “Eles estavam lá antes de qualquer coisa”, ela me conta. “Eles me amaram por mim, e ainda me amam. Eu não posso mais dizer que tenho isso. Eu não posso conhecer alguém e saber se eles gostam de mim por mim”, No sofá branco, com o cachorro enrolado nas pernas e a única fileira de luzes de Natal atrás dela, ela diz: “Para ser sincera, só quero começar de novo. Eu quero que tudo seja novo. Eu quero que alguém me ame como se eu fosse algo novo.”
Tradução e Adaptação: Equipe Selena Gomez Brasil
Fonte: Vogue